Se você é leitor assíduo deste blog, com certeza vai se lembrar de que, na sexta-feira passada, publiquei a primeira parte da entrevista com o jornalista e locutor Carlos Fernando. Se não costuma visitar este espaço frequentemente, desça a barra de rolagem e passe quatro posts para baixo.
Lá está o primeiro tempo do bate-papo com este grande profissional da comunicação. Aqui, vamos à segunda etapa, como dizem os locutores de rádio quando narram futebol. Antes, convém relembrar o Currículo Vitae de Cacá Fernando nas linhas abaixo. Isso fará com que você entenda melhor o contexto das peguntas que compõem a entrevista que, desta vez, é mais densa.
Aproveite e beba a água desta fonte de dicas e conselhos profissionais abalisados e úteis para você, que está começando na carreira jornalística ou mesmo que já está nela há algum tempo.
Extremamente à vontade, o jornalista falou grandes verdades sobre o nível da comunicação e da programação exibidas por rádios e TVs brasileiras. Cacá elogiou minhas perguntas, mas suas respostas são absolutamente fantásticas pela franqueza com que foram dadas. Confira a conversa.
CV - Carlos Fernando Schinner
Profissional de rádio e televisão desde 1979 é radialista, jornalista, escritor e publicitário. Narrador esportivo das TVs Bandeirantes, ESPN-Brasil, SporTV, DirecTV, Cultura, Record e Gazeta, e das rádios Globo, Record e Gazeta de São Paulo.
Participou das transmissões de quatro Copas do Mundo, três Jogos Olimpicos, além dos Jogos Panamericanos, esportes motorizados e X-Games. Âncora da rádio CBN de 1991 a 98, e apresentador de programas da rádio Globo de São Paulo.
Atualmente trabalha no canal a cabo Bandsports e é narrador da Bandnews FM do Grupo Bandeirantes de Comunicação. Criou o primeiro Curso de Narração Esportiva (CNE) em rádio e televisão no Senac-SP no ano 2000. É autor dos livros Manual dos Locutores Esportivos editado pela Pandabooks em 2004, e das Biografias “Rui Viotti – histórias do rádio, da TV e do esporte", lançada em 2011 pela Cia dos Livros" e "Coutinho, o 9 de ouro e parceiro do Rei (Pelé)", a ser lançada no segundo semestre deste ano.
Leandro Martins - Você disse que é um dos fundadores da Rádio CBN (100% notícias) e das emissoras de TV 100% esportivas. Por que esse tipo de canal surgiu? Alguma pesquisa apontou que o público buscava algo mais segmentado?
Carlos Fernando - No rádio, havia sim uma tendência de mídia, para que fôssemos diferentes da Pan, Bandeirantes e Eldorado que ainda tocavam música. A CBN surgiu de um projeto de Jorge Guilherme, do Rio de Janeiro, e de Heródoto Barbeiro, em São Paulo, tendo como modelo o canal de notícias americano CNN, muito importante principalmente na época da “Guerra Fria”.
Inicialmente, foram usadas pelo Sistema Globo de Rádio as emissoras Mundial do Rio de Janeiro e Excelsior de S.Paulo. Em 1990, eu trabalhava na TV Cultura de S.Paulo, e estava tomando um café quando o Heródoto me perguntou “como eu imaginava uma rádio 100% jornalística”.
Eu peguei um guardanapo de papel e desenhei uma pizza, dividida em 4 pedaços. Era a representação de um relógio de uma hora, dividido de 15 em 15 minutos com prestação de serviços (trânsito, aeroportos, tempo, bolsa de valores). Neste ano, a Eldorado mudou para Estadão/ESPN e segue exatamente o modelo criado em 1990, onde a CBN já “tocava notícia”, e com o papel destacado do âncora.
Com relação aos canais a cabo de TV, em 2002 fui almoçar numa churrascaria com José Trajano (na época comentarista dos jogos do Campeonato Alemão que eu narrava na TV Cultura), e ele me apresentou um projeto, e me convidou para ser o “narrador da TVA Esportes”, o primeiro canal 100% esportivo da TV.
Tudo por causa do Júlio Bartolo que havia comprado os direitos daquela que seria a futura ESPN. Só que apareceu na frente a SporTV, que estava abrindo em SP, e eu acabei indo pra lá, antes de ir para ESPN... E eu tive sorte de fazer parte dessa história toda.
CACÁ AO LADO DO COMENTARISTA DA BAND, NETO
CF - Sua pergunta é muito complexa e depende de algumas variáveis. Não chegaria ao ponto de chamar o telespectador de Homer Simpson como no deslize do William Bonner, mas há um fator preponderante – chamado IBOPE – que é (infelizmente) o grande balizador da TV brasileira.
Veja programas como os de Datena, Faustão, Gugu, por exemplo: o apresentador está o tempo todo de olho no gráfico para saber se audiência está subindo, caindo ou estável. Ele tem mecanismos para “apimentar” a audiência e fazê-la subir a qualquer momento. Isso implica em diminuição de qualidade de programação.
LM - Na sua opinião, o jornalista ou profissional de mídia tem condições de julgar o que a população quer ver?
CF - Essa pergunta é quase uma “pegadinha”. Há vários fatores a serem abordados. Primeiro: a independência jornalística que a empresa lhe dá; segundo: o compromisso com patrocinador/ audiência; terceiro: o simples fato de o profissional se colocar no lugar do telespectador, algo que dificilmente acontece. É muito difícil – e essa é uma briga antiga minha – de o comunicador (ou emissora) se perguntar: se eu estivesse sentado na poltrona de casa, o que gostaria de estar vendo agora?
LM - Você criou o 1º curso de narração esportiva no Senac-SP. Quais profissionais já revelou?
CF - Não vou citar nomes textualmente, até para preservá-los, mas há companheiros no SporTV, ESPN, Bandnews FM, e outras emissoras, só para citar alguns veículos.
LM - Muitas pessoas, às vezes, preferem apenas fazer cursos de especialização e relegam a faculdade ao segundo plano. Até porque conseguem tirar DRT e até MTB, muitas vezes, apenas com esses cursos. Na sua opinião, esse curso de locução é suficiente para formar um profissional de comunicação? Chega a substituir uma faculdade?
CF - Outra “pegadinha”. A faculdade deveria ser a base de aprendizado, caso o modelo de ensino do país fosse sério e avançado. Estou obviamente generalizando. Os cursos profissionalizantes ajudam o sujeito que quer abraçar a profissão e regularizá-la. Dão pistas de como é a profissão, nada mais do que isso. Nem a faculdade e nem o curso profissionalizante farão do sujeito um grande narrador ou repórter se este não tiver talento e vontade de estudar sério.
CACÁ E O JORNALISTA ELIA JÚNIOR, NA COPA DA ÁFRICA
LM - Com o curso, o locutor aprende apenas a técnica? Ou ele adquire noção de conteúdo, de fala e escrita? Você também escreveu um Manual para locutores esportivos. Com tanto jornalista procurando emprego, locutor esportivo hoje é um profissional raro no Brasil? Quanto ganha em média um locutor esportivo de TV?
CF - Escrita não, pois não formamos redatores ou editores. Mostramos o caminho para quem sempre sonhou em ser narrador de futebol e outros esportes ou comentarista. As aulas sempre foram eminentemente práticas, pois a teoria toda está no Manual dos Locutores Esportivos da Panda Books.
O mercado está super aberto, muito mais do que no meu tempo, quando iniciava a profissão e queria uma oportunidade. Hoje há múltiplos canais esportivos de TV, emissoras de rádio específicas e web rádios, que julgo serem o novo caminho para quem quer começar.
Porém, com a profissionalização, as web rádios também vêm sendo uma ótima alternativa aos profissionais consagrados. Sobre os salários, apenas as grandes emissoras pagam para o profissional, e não há uma tabela fixa. O mais comum nas demais emissoras é que o ganho esteja atrelado à venda de espaço publicitário. (Observação minha - Leandro Martins - Por isso, muitos continuam desempregados num mercado cada vez mais difícil. Que se dane a competência! Lamentável!)
LM - O que é mais importante para um locutor completo: ter ótima voz ou aliar uma voz mediana com muito conteúdo? Isso porque as rádios e TVs, quase sempre, dão preferência maior à estética.
CF - Na TV busca-se cada vez mais jovens e profissionais esteticamente apresentáveis. Nosso modelo de beleza não permite “gente feia” no vídeo, e isso podemos até discutir, pois é uma constatação – e não preconceito meu. A voz, o ritmo e a dicção também são fundamentais. Quanto ao conteúdo, com tantas mídias (plataformas), devemos ter formação e informações aceitáveis. Também são valorizados os profissionais que dominam as técnicas do improviso, algo fundamental para os links ao vivo.
LM - O que pode dizer do mercado de trabalho em comunicação hoje? Muita demanda e poucas vagas? Essa é mesmo a realidade?
CF - Igual a qualquer outra profissão. E vale a máxima: gente boa, talentosa e com networking está sempre trabalhando...
LM - Você é a favor ou contra o diploma para garantir reserva de mercado?
CF - Totalmente contra. Prefiro não-diplomados talentosos, do que acadêmicos ruins, pra não dizer medíocres. (Observação minha - Leandro Martins - Neste aspecto, concordo plenamente!)
LM - Para você, os jornalistas formam uma classe unida? O Sindicato deveria ser mais atuante nas questões trabalhistas?
CF - Os sindicatos foram balizadores fundamentais nos anos 70, 80... hoje com o excesso de mídias, quem decide é o próprio mercado.
LM - Além do manual para locutores, você escreveu outros dois livros (nomes no início do post). Para você, é importante que o profissional da comunicação passe por veículos impressos? O que a escrita ensina que o rádio e a TV não ensinam?
CF - Não acho que seja necessário o profissional de mídia passar por jornais, apesar que hoje é comum vermos esses jornalistas invadirem os microfones do rádio e da TV. Jornais se transformarão rapidamente em blogs ou em eletrônicos. Hoje qualquer pessoa escreve na internet e se diz jornalista. Mas ainda defendo que trabalhar em rádio/TV não serve para amadores do veículo.
LM - Tenho me deparado, hoje, com jornalistas, de mídia grande ou não, que têm dificuldades na escrita. Por ser um escritor, como vê a qualidade hoje dos jornalistas no quesito escrita?
CF - A tendência é twitar, escrever em 140 caracteres. Como poderemos formar pessoas letradas se não há mais a prática da escrita corrente, e nem da leitura? Ainda costumo dizer para meus alunos como dica primordial: leiam, leiam, leiam! Este é o pulo do gato!
CACÁ E O JORNALISTA RICARDO BOECHAT, DA BAND
Cacá é um professor por excelência. Como você mesmo pôde comprovar, ele gosta de ensinar. Não deixa de frequentar bancas de Trabalhos de Conclusão de Curso, sempre que solicitado.
Diz ele: "Adoro poder cooperar com companheiros ou futuros companheiros de profissão, pois sempre aprendo muito. Somos eternos aprendizes, como diz a música do Gonzaguinha... Há um ditado socrático, que vem dos tempos da Grécia Antiga, que diz que: 'mais importante que as respostas, são as perguntas', algo que eu sempre digo aos meus alunos, pois se encaixa perfeitamente aos jornalistas. E complemento: 'para se fazer uma boa pergunta, deve-se conhecer pelo menos 50% das respostas!'
Para quem quiser seguir o jornalista no Twitter, seu nick é @cacafernando. Deixo aqui, mais uma vez, meu agradecimento a este grande profissional, que contribuiu e muito com o propósito deste blog que é esclarecer a você, amigo leitor, tudo o que se passa na nossa profissão. E ensinar aqueles que estão começando na carreira e que têm vontade de aprender, acertar e vencer na vida. Um forte abraço.
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