sexta-feira, 3 de junho de 2011

Segunda parte da entrevista com Carlos Fernando, da Rádio Bandnews FM e do canal Bandsports

 
Se você é leitor assíduo deste blog, com certeza vai se lembrar de que, na sexta-feira passada, publiquei a primeira parte da entrevista com o jornalista e locutor Carlos Fernando. Se não costuma visitar este espaço frequentemente, desça a barra de rolagem e passe quatro posts para baixo.

Lá está o primeiro tempo do bate-papo com este grande profissional da comunicação. Aqui, vamos à segunda etapa, como dizem os locutores de rádio quando narram futebol. Antes, convém relembrar o Currículo Vitae de Cacá Fernando nas linhas abaixo. Isso fará com que você entenda melhor o contexto das peguntas que compõem a entrevista que, desta vez, é mais densa.

Aproveite e beba a água desta fonte de dicas e conselhos profissionais abalisados e úteis para você, que está começando na carreira jornalística ou mesmo que já está nela há algum tempo.

Extremamente à vontade, o jornalista falou grandes verdades sobre o nível da comunicação e da programação exibidas por rádios e TVs brasileiras. Cacá elogiou minhas perguntas, mas suas respostas são absolutamente fantásticas pela franqueza com que foram dadas. Confira a conversa.

CV - Carlos Fernando Schinner

Profissional de rádio e televisão desde 1979 é radialista, jornalista, escritor e publicitário. Narrador esportivo das TVs Bandeirantes, ESPN-Brasil, SporTV, DirecTV, Cultura, Record e Gazeta, e das rádios Globo, Record e Gazeta de São Paulo.

Participou das transmissões de quatro Copas do Mundo, três Jogos Olimpicos, além dos Jogos Panamericanos, esportes motorizados e X-Games. Âncora da rádio CBN de 1991 a 98, e apresentador de programas da rádio Globo de São Paulo.

Atualmente trabalha no canal a cabo Bandsports e é narrador da Bandnews FM do Grupo Bandeirantes de Comunicação. Criou o primeiro Curso de Narração Esportiva (CNE) em rádio e televisão no Senac-SP no ano 2000. É autor dos livros Manual dos Locutores Esportivos editado pela Pandabooks em 2004, e das Biografias “Rui Viotti – histórias do rádio, da TV e do esporte", lançada em 2011 pela Cia dos Livros" e "Coutinho, o 9 de ouro e parceiro do Rei (Pelé)", a ser lançada no segundo semestre deste ano.

Leandro Martins - Você disse que é um dos fundadores da Rádio CBN (100% notícias) e das emissoras de TV 100% esportivas. Por que esse tipo de canal surgiu? Alguma pesquisa apontou que o público buscava algo mais segmentado?

Carlos Fernando - No rádio, havia sim uma tendência de mídia, para que fôssemos diferentes da Pan, Bandeirantes e Eldorado que ainda tocavam música. A CBN surgiu de um projeto de Jorge Guilherme, do Rio de Janeiro, e de Heródoto Barbeiro, em São Paulo, tendo como modelo o canal de notícias americano CNN, muito importante principalmente na época da “Guerra Fria”.

Inicialmente, foram usadas pelo Sistema Globo de Rádio as emissoras Mundial do Rio de Janeiro e Excelsior de S.Paulo. Em 1990, eu trabalhava na TV Cultura de S.Paulo, e estava tomando um café quando o Heródoto me perguntou “como eu imaginava uma rádio 100% jornalística”.

Eu peguei um guardanapo de papel e desenhei uma pizza, dividida em 4 pedaços. Era a representação de um relógio de uma hora, dividido de 15 em 15 minutos com prestação de serviços (trânsito, aeroportos, tempo, bolsa de valores). Neste ano, a Eldorado mudou para Estadão/ESPN e segue exatamente o modelo criado em 1990, onde a CBN já “tocava notícia”, e com o papel destacado do âncora.

Com relação aos canais a cabo de TV, em 2002 fui almoçar numa churrascaria com José Trajano (na época comentarista dos jogos do Campeonato Alemão que eu narrava na TV Cultura), e ele me apresentou um projeto, e me convidou para ser o “narrador da TVA Esportes”, o primeiro canal 100% esportivo da TV.

Tudo por causa do Júlio Bartolo que havia comprado os direitos daquela que seria a futura ESPN. Só que apareceu na frente a SporTV, que estava abrindo em SP, e eu acabei indo pra lá, antes de ir para ESPN... E eu tive sorte de fazer parte dessa história toda.

CACÁ AO LADO DO COMENTARISTA DA BAND, NETO

LM - Normalmente esse tipo de canal (falando apenas de TV) está disponível apenas nas TVs por assinatura. Esses canais esportivos fazem uma análise mais aprofundada de vários esportes, diferentemente do que acontece nas emissoras chamadas abertas. Por que existe tal diferença? A TV aberta precisa ser sempre superficial? A massa sempre tem de ser tratada num nível mais raso? Não é possível oferecer ao povo que assiste TV aberta uma programação igual à das emissoras a cabo? Com melhor qualidade?

CF - Sua pergunta é muito complexa e depende de algumas variáveis. Não chegaria ao ponto de chamar o telespectador de Homer Simpson como no deslize do William Bonner, mas há um fator preponderante – chamado IBOPE – que é (infelizmente) o grande balizador da TV brasileira.

Veja programas como os de Datena, Faustão, Gugu, por exemplo: o apresentador está o tempo todo de olho no gráfico para saber se audiência está subindo, caindo ou estável. Ele tem mecanismos para “apimentar” a audiência e fazê-la subir a qualquer momento. Isso implica em diminuição de qualidade de programação.

LM - Na sua opinião, o jornalista ou profissional de mídia tem condições de julgar o que a população quer ver?
CF - Essa pergunta é quase uma “pegadinha”. Há vários fatores a serem abordados. Primeiro: a independência jornalística que a empresa lhe dá; segundo: o compromisso com patrocinador/ audiência; terceiro: o simples fato de o profissional se colocar no lugar do telespectador, algo que dificilmente acontece. É muito difícil – e essa é uma briga antiga minha – de o comunicador (ou emissora) se perguntar: se eu estivesse sentado na poltrona de casa, o que gostaria de estar vendo agora?

LM - Você criou o 1º curso de narração esportiva no Senac-SP. Quais profissionais já revelou?
CF - Não vou citar nomes textualmente, até para preservá-los, mas há companheiros no SporTV, ESPN, Bandnews FM, e outras emissoras, só para citar alguns veículos.

LM - Muitas pessoas, às vezes, preferem apenas fazer cursos de especialização e relegam a faculdade ao segundo plano. Até porque conseguem tirar DRT e até MTB, muitas vezes, apenas com esses cursos. Na sua opinião, esse curso de locução é suficiente para formar um profissional de comunicação? Chega a substituir uma faculdade?

CF - Outra “pegadinha”. A faculdade deveria ser a base de aprendizado, caso o modelo de ensino do país fosse sério e avançado. Estou obviamente generalizando. Os cursos profissionalizantes ajudam o sujeito que quer abraçar a profissão e regularizá-la. Dão pistas de como é a profissão, nada mais do que isso. Nem a faculdade e nem o curso profissionalizante farão do sujeito um grande narrador ou repórter se este não tiver talento e vontade de estudar sério.


CACÁ E O JORNALISTA ELIA JÚNIOR, NA COPA DA ÁFRICA

LM - Com o curso, o locutor aprende apenas a técnica? Ou ele adquire noção de conteúdo, de fala e escrita? Você também escreveu um Manual para locutores esportivos. Com tanto jornalista procurando emprego, locutor esportivo hoje é um profissional raro no Brasil? Quanto ganha em média um locutor esportivo de TV?

CF - Escrita não, pois não formamos redatores ou editores. Mostramos o caminho para quem sempre sonhou em ser narrador de futebol e outros esportes ou comentarista. As aulas sempre foram eminentemente práticas, pois a teoria toda está no Manual dos Locutores Esportivos da Panda Books.

O mercado está super aberto, muito mais do que no meu tempo, quando iniciava a profissão e queria uma oportunidade. Hoje há múltiplos canais esportivos de TV, emissoras de rádio específicas e web rádios, que julgo serem o novo caminho para quem quer começar.

Porém, com a profissionalização, as web rádios também vêm sendo uma ótima alternativa aos profissionais consagrados. Sobre os salários, apenas as grandes emissoras pagam para o profissional, e não há uma tabela fixa. O mais comum nas demais emissoras é que o ganho esteja atrelado à venda de espaço publicitário. (Observação minha - Leandro Martins - Por isso, muitos continuam desempregados num mercado cada vez mais difícil. Que se dane a competência! Lamentável!)

LM - O que é mais importante para um locutor completo: ter ótima voz ou aliar uma voz mediana com muito conteúdo? Isso porque as rádios e TVs, quase sempre, dão preferência maior à estética.
CF - Na TV busca-se cada vez mais jovens e profissionais esteticamente apresentáveis. Nosso modelo de beleza não permite “gente feia” no vídeo, e isso podemos até discutir, pois é uma constatação – e não preconceito meu. A voz, o ritmo e a dicção também são fundamentais. Quanto ao conteúdo, com tantas mídias (plataformas), devemos ter formação e informações aceitáveis. Também são valorizados os profissionais que dominam as técnicas do improviso, algo fundamental para os links ao vivo.

LM - O que pode dizer do mercado de trabalho em comunicação hoje? Muita demanda e poucas vagas? Essa é mesmo a realidade?
CF - Igual a qualquer outra profissão. E vale a máxima: gente boa, talentosa e com networking está sempre trabalhando...

LM - Você é a favor ou contra o diploma para garantir reserva de mercado?
CF - Totalmente contra. Prefiro não-diplomados talentosos, do que acadêmicos ruins, pra não dizer medíocres. (Observação minha - Leandro Martins - Neste aspecto, concordo plenamente!)

LM - Para você, os jornalistas formam uma classe unida? O Sindicato deveria ser mais atuante nas questões trabalhistas?
CF - Os sindicatos foram balizadores fundamentais nos anos 70, 80... hoje com o excesso de mídias, quem decide é o próprio mercado.

LM - Além do manual para locutores, você escreveu outros dois livros (nomes no início do post). Para você, é importante que o profissional da comunicação passe por veículos impressos? O que a escrita ensina que o rádio e a TV não ensinam?
CF - Não acho que seja necessário o profissional de mídia passar por jornais, apesar que hoje é comum vermos esses jornalistas invadirem os microfones do rádio e da TV. Jornais se transformarão rapidamente em blogs ou em eletrônicos. Hoje qualquer pessoa escreve na internet e se diz jornalista. Mas ainda defendo que trabalhar em rádio/TV não serve para amadores do veículo.

LM - Tenho me deparado, hoje, com jornalistas, de mídia grande ou não, que têm dificuldades na escrita. Por ser um escritor, como vê a qualidade hoje dos jornalistas no quesito escrita?
CF - A tendência é twitar, escrever em 140 caracteres. Como poderemos formar pessoas letradas se não há mais a prática da escrita corrente, e nem da leitura? Ainda costumo dizer para meus alunos como dica primordial: leiam, leiam, leiam! Este é o pulo do gato!

CACÁ E O JORNALISTA RICARDO BOECHAT, DA BAND

Cacá é um professor por excelência. Como você mesmo pôde comprovar, ele gosta de ensinar. Não deixa de frequentar bancas de Trabalhos de Conclusão de Curso, sempre que solicitado.

Diz ele: "Adoro poder cooperar com companheiros ou futuros companheiros de profissão, pois sempre aprendo muito. Somos eternos aprendizes, como diz a música do Gonzaguinha... Há um ditado socrático, que vem dos tempos da Grécia Antiga, que diz que: 'mais importante que as respostas, são as perguntas', algo que eu sempre digo aos meus alunos, pois se encaixa perfeitamente aos jornalistas. E complemento: 'para se fazer uma boa pergunta, deve-se conhecer pelo menos 50% das respostas!'

Para quem quiser seguir o jornalista no Twitter, seu nick é @cacafernando. Deixo aqui, mais uma vez, meu agradecimento a este grande profissional, que contribuiu e muito com o propósito deste blog que é esclarecer a você, amigo leitor, tudo o que se passa na nossa profissão. E ensinar aqueles que estão começando na carreira e que têm vontade de aprender, acertar e vencer na vida. Um forte abraço.

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