segunda-feira, 16 de abril de 2012
Os vícios que os locutores de rádio trazem para a TV e vice-versa
Aproveitando que hoje é o Dia Mundial da Voz, este post é em homenagem aos locutores esportivos. O rádio e a televisão são dois veículos com linguagens completamente diferentes. Enquanto o rádio tem apenas o áudio como recurso informativo, a TV apoia-se na imagem. Consequentemente, a locução esportiva tem suas peculiaridades em cada um desses meios.
Alguns locutores são formados no rádio e, quando migram para a TV, precisam de um período de adaptação. O mesmo vale para o caminho contrário que, no entanto, é mais raro de acontecer na mídia.
Ao migrar de uma mídia para outra, os locutores, inicialmente, carregam com eles vícios de linguagem do veículo ao qual estavam acostumados, o que causa estranheza ao ouvinte e ao telespectador.
Vamos primeiro falar sobre o locutor que migra do rádio para a TV. Uma vez que não faz uso da imagem, o rádio é extremamente descritivo. O locutor precisa posicionar o ouvinte o tempo inteiro em qualquer esporte e dizer o que está acontecendo para que o público "enxergue" os detalhes do evento. Por isso, usa expressões como "recebe na meia direita", "cruza a linha central do gramado", "coloca a bola na grande área", "passa a linha que divide o campo", "a bola foi pela linha de fundo", "toca a bola na grande lua do gramado".
Alguns locutores, ao migrarem para a TV, repetem tais expressões, que se tornam desnecessárias por causa da imagem. Quem está vendo a partida sabe que a bola está nesses locais. Outro vício de quem vem do rádio é a articulação das palavras. O rádio exige que cada palavra seja muito bem articulada para que o ouvinte a entenda de forma rápida.
Porém, numa conversa coloquial e informal do dia-a-dia, ninguém articula todas as palavras com perfeição. Por exemplo, na frase "a bola passa por baixo do corpo do goleiro", o locutor de rádio enfatiza a pronúncia do "baixo", ressaltando o "i". Coloquialmente, nem pronunciamos esse "i" e fica "por baxo". Mas TV é coloquial, é informal e essa é a pronúncia mais aceitável.
Em TV, quem articula tudo perfeitinho é considerado arrogante e estranho, o que pode gerar a antipatia do telespectador. TV é massa, é simplicidade. No dia-a-dia, em nossas conversas habituais, muitas vezes, pronunciamos a letra "o" com som de "u", principalmente nas terminações das palavras, como "meio de campo". Coloquialmente, pronunciamos "meiu de campu". Já no rádio o locutor pronuncia efetivamente as duas letras "o".
Mas o locutor de rádio não faz isso porque quer. É quase automático pois, para fazer rádio, aprendemos na faculdade (e nas aulas de fono) que todas as letras devem ser pronunciadas. Então, esse é um vício adquirido difícil de ser deixado de lado, principalmente para o locutor que é ativo (simultaneamente) nos dois veículos. Porém, é algo que deve ser trabalhado para não gerar antipatia do público.
Por fim, um último vício está no ritmo. Em rádio, a narração esportiva é frenética e não para um minuto sequer. Não pode haver o chamado "hiato" (tempo de silêncio). Em TV, a narração é pausada e pouco descritiva, além de menos "corrida".
O inverso também acontece. O locutor que vai da TV para o rádio leva os vícios da telinha. Narra sem ritmo adequado e não articula bem as pronúncias, o que gera desconforto no ouvinte, acostumado (muitas vezes inconscientemente) à linguagem radiofônica. Outra coisa importante. Geralmente, os locutores de TV não precisam ter uma voz primorosa em timbre e tom, mas os de rádio quase sempre a possuem. E o ouvinte também estranha essa alteração.
Por isso, via de regra, é mais fácil um narrador de rádio acostumar-se à TV do que o contrário. O locutor de rádio é mais versátil. É mais fácil abrandar o ritmo de uma narração do que acelerá-lo, pois nem todo mundo consegue pronunciar palavras de forma rápida. Também é mais fácil você se acostumar a não descrever tanto a jogada do que ter de descrever tudo. E, por fim, para trabalhar no rádio (que considero mais emocionante que a TV) é preciso fôlego e exercícios constantes de aquecimento vocal e fonoaudiologia.
Três exemplos que considero muito bem acabados de locutores que adaptaram-se com perfeição aos dois veículos são Luiz Roberto, hoje na TV Globo (oriundo da Rádio Globo), Paulo Soares e Everaldo Marques, dos canais ESPN e narradores da rádio Estadão-ESPN.
Mas, para quem está começando na profissão e pretende trabalhar com as duas mídias, ficam as dicas. As linguagens de rádio e TV são muito diferentes. E vale a pena um esforço para trabalhar em ambos a contento e cativar os dois tipos de público que, curiosamente, não raras vezes, são formados pelas mesmas pessoas, acostumadas às distintas linguagens. Um forte abraço!
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