segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Os limites do Gonzo Jornalismo

O JORNALISTA AMERICANO HUNTER THOMPSOM
É TIDO COMO O CRIADOR DO GONZO JORNALISMO

Muitos repórteres e editores de conteúdo jornalístico julgam-se os paladinos da verdade e da imparcialidade. Como se sabe, as premissas básicas do jornalismo são contar sempre a verdade, ouvir todos os lados envolvidos no relato e fazer a reportagem com imparcialidade e objetividade.

O estilo Gonzo de jornalismo vai na contramão desta última premissa. A narrativa nesse modelo prevê a participação do jornalista nas situações que apura de modo direto, de forma que ele se torna personagem da reportagem. Nesse estilo, o profissional vivencia as situações para então poder contar como foi sua experiência de ter sentido determinada situação na pele.

Por exemplo: suponha que um jornalista queira fazer uma reportagem especial sobre moradores de rua. No Gonzo jornalismo, o repórter moraria uma semana ou um mês na rua, sem qualquer ajuda, para vivenciar o dia-a-dia daqueles que não têm um teto. No momento de confeccionar a reportagem, além das entrevistas coletadas, ia dar sua própria versão dos fatos, contando o que viveu nos dias em que dormiu ao relento.

Ou seja, é viver, sentir na pele determinada situação. Também considera-se Gonzo jornalismo quando o repórter se transforma em um outro personagem para tentar denunciar algum crime. Por exemplo, quando ele vai até alguém que falsifica e vende documentos como carteira de motorista, de trabalho e de identidade. O jornalista solicita esses serviços (o que é crime) para que possa gravá-los e denunciá-los com câmera escondida ou algo similar. Aqui, questiona-se se isso é ético, já que o profissional não se identifica como sendo da imprensa.


Pelo grau de envolvimento que o jornalista tem com a situação, o Gonzo jornalismo pode ser perigoso. Para denunciar uma quadrilha de traficantes, seria válido o jornalista se passar por um usuário da droga? Tim Lopes tentou se passar por alguém que curtia bailes funks em favelas para denunciar um esquema parecido. Foi reconhecido e assassinado.

Para falar sobre os efeitos da maconha ou do álcool, vale o repórter consumir essas drogas? Esse tipo de coisa extrapola o bom senso e se transforma em casos de saúde pública ou de polícia. Para mostrar as gangues que desencadeiam a violência em estádios de futebol, é sensato o repórter travestir-se de torcedor e integrar a multidão transgressora? Ou ele estaria cometendo um crime também ao praticar a violência?

Por causa desses conflitos éticos, muita gente não considera o estilo Gonzo como jornalismo. Não costumo ser tão radical com as coisas. Entendo que algumas denúncias são válidas, desde que não coloque a vida do profissional em risco. Deve haver limites.

Recentemente, um jornalista do Estadão foi fiscal de prova na realização do Enem e comprovou de perto a desorganização na aplicação das avaliações. Já outro repórter de O Globo conseguiu divulgar o tema da redação antes do término da prova, através da mensagem enviada pelo celular de um estudante, que escondeu o aparelho na cueca. Como não há revista íntima no Enem, ele conseguiu, do banheiro, transmitir a informação.

No primeiro caso, o fiscal inscreveu-se dentro das regras e trabalhou normalmente, o que é válido. No segundo, a pauta foi mais pelo sensacionalismo. A publicação do tema da redação no portal do veículo de comunicação causaria furor no público e geraria audiência e repercussão. Porém, todo cuidado é pouco. O reporter poderia ter interferido diretamente na vida de milhares de estudantes, caso o vazamento mencionado fosse entendido pelo MEC como prejudicial e fosse remarcado um novo exame.

O repórter não tem o direito de atrapalhar a vida das pessoas. Portanto, o limite entre o bom relato e a interferência é tênue no estilo Gonzo. Repito: para fazer algumas denúncias, acho válido. Atrapalhar a vida das pessoas, não.

Devemos ainda observar que, todo relato de experiência vivenciada, ainda que feito por um jornalista, é carregado de subjetividade. A visão dele pode não ser a minha, caso eu tivesse vivido a situação. O que para ele pode ser bom, para mim pode ser ruim. Não há verdade absoluta. Funciona mais como uma curiosidade do que propriamente uma reportagem para o leitor, ouvinte ou telespectador. Um forte abraço.

Facebook: Leandro Martins
Twitter: @leandropress

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