segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A diferença entre informação e sensacionalismo: uma análise sobre o caso de racismo no jogo entre Grêmio e Santos


O jogo entre Grêmio e Santos, ocorrido no último dia 28/08, válido pelas oitavas de final da Copa do Brasil, jamais será esquecido. E o motivo não é um lance futebolístico da partida, brilhante ou bizarro. Mas sim os atos racistas dirigidos ao goleiro Aranha, do time paulista. As ofensas ficaram por conta dos gritos de "macaco", entoados por vários gremistas nas arquibancadas.

Até aí, a mídia deveria noticiar o fato, como o fez. Quem trabalha em TV sabe como a parte técnica funciona. A emissora ESPN Brasil transmitia a partida ao vivo. Quando os gritos começaram, muito provavelmente, o diretor de imagens pediu ao cinegrafista que se virasse para a torcida e tentasse flagrar algum detalhe.

Conseguiu. Na imagem ao vivo (repito, pois é importante), apareceu uma garota proferindo as ofensas contra Aranha. Pouca gente deve ter visto a imagem ao vivo. E, os que viram, certamente a esqueceriam rapidamente, não fossem as insistentes repetições. A imagem ao vivo é muito breve. Se não for repetida, só tem a chance de ser vista uma única vez, num piscar de olhos.

Não foi o que aconteceu. Além de exibir e reprisar a imagem em câmera lenta em todos os seus programas da grade no dia seguinte, a ESPN também liberou a imagem para emissoras parceiras, como Bandeirantes (que ama o sensacionalismo), Record, Globo, etc. E estas reproduziram também a seus públicos. Ou seja, a imagem foi massificada.

Convém ressaltar: não foi só a garota que gritou "macaco" para o goleiro. Os gritos ecoaram pelo estádio todo, com diversas caras e vozes.

Há uma diferença entre dar a informação e explorar o sensacionalismo. Ao agir desta maneira, todas as emissoras, jornais impressos e rádios erraram ao dar rosto e nome à garota que apareceu chamando Aranha de macaco. É a execração pública de uma pessoa que sequer foi julgada ou condenada pelo Poder Judiciário. Segundo a Constituição, todos temos direito à ampla defesa. Ela foi julgada e já condenada pela sociedade, graças à exibição insistente de sua imagem na mídia.

Noticiar que houve atos racistas na partida é dever da mídia. Expor a imagem de uma pessoa, não. Se a garota supostamente cometeu um crime, os mandatários da ESPN deveriam enviar a imagem para a polícia, delegado, advogados, promotores, juízes, etc. E não divulgarem amplamente como fizeram.

Quem instaura inquérito e julga é o poder judiciário. Não é a sociedade. Nem a imprensa. A exposição "sensacionalizada" da imagem da garota me fez lembrar o caso Escola Base. No início da década de 1990, os donos de uma escola de ensino infantil, no bairro da Aclimação, em São Paulo, foram acusados pelos pais de alguns alunos de abusarem sexualmente das crianças.

Seus nomes e rostos foram expostos em todas as mídias. Nenhum deles foi condenado. Nunca houve provas suficientes para incriminá-los. Mas, foram mortos em vida. Metralhados pela exposição pública em jornais, rádios e emissoras de TV. Tiveram casa apedrejada, carro destruído, escola fechada. Foram execrados pela sociedade. Perderam todo o patrimônio que tinham. Perderam o direito de ir à feira, ao shopping, ao mercado. Perderam o direito à vida.

Dormiam, quando conseguiam, com ajuda de calmantes. Ganharam várias ações indenizatórias (em dinheiro) na justiça contra as mídias que os expuseram indevidamente, sem NENHUMA prova de condenação. A casa em que a torcedora do Grêmio morava foi incendiada. Qualquer semelhança não é mera coincidência. A mídia contribuiu e muito para isso. Criaram uma vilã. Um ícone do racismo no país.

Parece que os "entendidos" da mídia não aprenderam nada nesses 21 anos que separaram temporalmente os dois casos. Lamentável. Mídia podre a nossa. Prostituída. Que visa apenas dinheiro e audiência a qualquer custo. Não é esse o caminho!

É claro que, talvez, as redes sociais acabariam fazendo esse mesmo papel, de expor a garota. Em todo caso, a TV ainda é o maior meio de comunicação de massa do país. E a ela cabe o papel de ser ética, educar e transmitir ao público programação decente, de boa qualidade, assim como informações precisas e análises inteligentes e livres de interesses escusos, sem rabo preso com ninguém.

Porém, sejamos equilibrados. Também há erros do outro lado. Depois da exposição "para o mal", a garota quis aparecer na TV (talvez para se defender ou para tirar proveito disso, quem sabe). Foi ao programa Encontro, com Fátima Bernardes, da TV Globo e ao Domingo Legal, do SBT. Se aparecer, em breve, em revistas masculinas não vou me surpreender. O que também é muito errado. E mostra a imensa inversão de valores que existe hoje na humanidade.

A menina foi exposta indevidamente. Foi comparada a uma autêntica vilã de novela. Erro da mídia. Se tirar proveito disso para ganhar dinheiro, bizarrice dela (e de quem der espaço para que isso aconteça!). Lembremos: se há quem faz, há quem ceda o espaço e há quem consuma!

Resumo da ópera: a mídia deve informar e não expor as pessoas. Se a emissora tinha uma imagem de possível flagrante de um crime, que entregasse às autoridades competentes para análise. As pessoas expostas devem buscar seus direitos contra a exploração indevida de suas imagens. E também devem ter o bom senso de não usar a situação como uma plataforma bizarra de elevação social, midiática e para ganhar dinheiro fácil. Não sei se sou utópico, ético ou correto demais, mas ainda tenho valores dignos. E vou preservá-los até o dia que deixar este plano. Um forte abraço.

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